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"Marechal Floriano, Rio. Peço energia. Sigo já. Quaresma".
V O TROVADOR
Decerto, Albernaz, não é possível continuar assim... Então mete-se um sujeito num navio,
assesta os canhões pra terra e diz: sai daí "seu" presidente; e o homem vai saindo?... Não! É preciso
um exemplo...
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Eu penso também da mesma maneira, Caldas. A República pre- cisa ficar forte,
consolidada... Esta terra necessita de governo que se faça respeitar... É incrível! Um país como este,
tão rico, talvez o mais rico do mundo, é, no entanto, pobre, deve a todo mundo... Por quê? Por causa
dos governos que temos tido que não têm prestígio, força... É por isso.
Vinham andando, à sombra das grandes e majestosas árvores do par- que abandonado; ambos
fardados e de espada. Albernaz, depois de um curto intervalo, continuou:
Você viu o imperador, o Pedro II... Não havia jornaleco, pasquim por aí, que o não
chamasse de "banana" e outras coisas... Saia no carna- val... Um desrespeito sem nome! Que
aconteceu? Foi-se como um intruso.
E era um bom homem, observou o almirante. Amava o seu país... Deodoro nunca soube o
que fez.
Continuavam a andar. O almirante coçou um dos favoritos e Alber- naz olhou um instante
para todos os lados, acendeu o cigarro de palha e retomou a conversa:
Morreu arrependido... Nem com a farda quis ir para a cova!... Aqui para nós que ninguém
nos ouve: foi um ingrato; o imperador tinha feito tanto por toda a família, não acha?
Não há dúvida nenhuma!... Albernaz, você quer saber de uma coisa: estávamos melhor
naquele tempo, digam lá o que disserem...
Quem diz o contrário? Havia mais moralidade... Onde está um Caxias? um Rio Branco?
E mais justiça mesmo, disse com firmeza o almirante. O que eu sofri, não foi por causa do
"velho", foi a canalha... Demais, tudo barato...
Eu não sei, disse Albernaz com particular acento, como há ainda quem se case... Anda tudo
pela hora da morte!
Eles olharam um instante as velhas árvores da Quinta Imperial, por onde vinham
atravessando. Nunca as tinham contemplado; e agora parecia- lhes que jamais tinham pousado os
olhos sobre árvores tão soberbas, tão belas, tão tranqüilas e seguras de si, como aquelas que
espalhavam sob os seus grandes ramos uma vasta sombra, deliciosa e macia. Pareciam que medravam
sentindo-se em terra própria, delas, da qual nunca sairiam desa- lojadas a machado, para edificação de
casebres; e esse sentimento lhes havia dado muita força de vegetar e uma ampla vontade de se
expandirem. O solo sobre o qual cresciam, era delas e agradeciam à terra estendendo muito os seus
ramos, cerrando e tecendo a folhagem, para dar à boa mãe, frescura e proteção contra a inclemência do
sol.
As mangueiras eram as mais gratas; os ramos longos e cheios de folhas, quase beijavam o
chão. As jaqueiras se espreguiçavam; os bambus se inclinavam, de um lado e outro da aléia, e cobriam
a terra com uma ogiva verde...
O velho edifício imperial se erguia sobre a pequena colina, Eles lhe viam o fundo, aquela parte
de construção mais antiga, joanina, com a torre do relógio um pouco afastada e separada do corpo do
edifício.
Não era belo o palácio, não tinha mesmo nenhum traço de beleza, era até pobre e monótono.
As janelas acanhadas daquela fachada velha, os andares de pequena altura impressionavam mal; todo
ele, porém, tinha uma tal ou qual segurança de si, um ar de confiança pouco comum nas nossas
habitações, uma certa dignidade, alguma coisa de quem se sente viver, não para um instante, mas para
anos, para séculos... As palmeiras cercavam-no, eretas, firmes, com os seus grandes penachos verdes,
muito altos, alongados para o céu...
Eram como que a guarda da antiga moradia imperial, guarda orgu- lhosa do seu mister e
função.
Albernaz interrompeu o silêncio:
Em que dará isto tudo, Caldas?
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Sei lá.
O "homem" deve estar atrapalhado... Já tinha o Rio Grande, agora o Custódio... hum!
O poder é o poder, Albernaz.
Vinham andando em demanda à estação de São Cristóvão. Atravessa- ram o velho parque
imperial transversalmente, desde o portão da Cancela até à linha da estrada de ferro. Era de manhã, e o
dia estava límpido e fresco.
Caminhavam com pequenos passos seguros, mas sem pressa. Pouco antes de saírem da quinta,
deram com um soldado a dormir numa moita. Albernaz teve vontade de acordá-lo: camarada!
camarada! O soldado levan- tou-se estremunhado; e, dando com aqueles dois oficiais superiores,
concer- tou-se rapidamente, fez a continência que lhes era devida e ficou com a mão no boné, um
instante firme, mas logo bambeou.
Abaixe a mão, fez o general. Que faz você aqui?
Albernaz falou em tom ríspido e de comando. A praça, falando a medo, explicou que tinha
estado de ronda ao litoral toda a noite. A força se recolhera aos quartéis; ele obtivera licença para ir em
casa mas o sono fora muito e descansava ali um pouco.
Então como vão as coisas? perguntou o general.
Não sei, não "sinhô".
Os "homens" desistem ou não?
O general esteve um instante examinando o soldado. Era branco e tinha os cabelos alourados,
de um louro sujo e degradado; as feições eram feias: malares salientes, testa óssea e todo ele anguloso
e desconjuntado.
Donde você é? perguntou-lhe ainda Albernaz.
Do Piauí, sim "sinhô".
Da capital?
Do sertão, de Paranaguá, sim "sinhô".
O almirante até ali não interrogara o soldado que continuava ame- drontado, respondendo
tropegamente. Caldas, para acalmá-lo, resolveu falar-lhe com doçura.
Você não sabe, camarada, quais são os navios que "eles" têm?
O "Aquidabã"... A "Luci".
A "Luci" não é navio.
É verdade, sim "sinhô". O "Aquidabã"... Um "bandão" deles, sim, "sinhô".
O general interveio então, Falou-lhe com brandura, quase paternal, mudando o tratamento de
você para tu, que parece mais doce e íntimo quando se fala aos inferiores:
Bem, descansa, meu filho. É melhor ires para casa... Podem fur- tar-te o sabre e estás na
"inácia".
Os dois generais continuaram o seu caminho e, em breve, estavam na plataforma da estação. A
pequena estação tinha um razoável movimento. Um grande número de oficiais, ativos, reformados,
honorários moravam- lhe nas cercanias e os editais chamavam todos a se apresentar às autorida- des
competentes. Albernaz e Caldas atravessaram a plataforma no meio de continências. O general era
mais conhecido, em virtude de seu emprego; o almirante, não. Quando passavam, ouviam perguntar:
"Quem é este almi- rante?" Caldas ficava contente e orgulhava-se um pouco do seu posto e do seu
incógnito.
Havia uma única mulher na estação, uma moça. Albernaz olhou-a e lembrou-se um instante de
sua filha Ismênia... Coitada!... Ficaria boa?
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Aquelas manias? Onde iria parar? Vieram-lhe as lágrimas, mas ele as reteve com força.
Já a levara a uma meia dúzia de médicos e nenhum fazia parar aquele escapamento do juízo
que parecia fugir aos poucos do cérebro da moça.
A bulha de um expresso, chocalhando ferragens com estrépido, api- tando com fúria e
deixando fumaça pesada pelos ares que rompia, afas- tou-o de pensar na filha. Passou o monstro,
pejado de soldados, de unifor- mes e os trilhos, depois de ter passado, ainda estremeciam.
Bustamante apareceu; morava nos arredores e vinha tomar o trem, para apresentar-se. Trazia o
seu velho uniforme do Paraguai, talhado segundo os moldes dos guerreiros da Criméia. A barretina era
um tronco de cone que avançava para a frente; e, com aquela banda roxa e casaquinha curta, parecia
ter saído, fugido, saltado de uma tela de Vítor Meireles".
Então por aqui?... Que é isto? indagou o honorário.
Viemos pela quinta, disse o almirante.
Nada, meus amigos, esses bondes andam muito perto do mar... Não me importa morrer, mas
quero morrer combatendo; isso de morrer por ai, à toa, sem saber como, não vai comigo...
O general falara um pouco alto e os jovens oficiais que estavam pró- ximo, olharam-no com
mal disfarçada censura. Albernaz percebeu e ajun- tou imediatamente:
Conheço bem esse negócio de balas... Já vi muito fogo... Você sabe, Bustamante, que, em
Curuzu...
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